domingo, 24 de outubro de 2010

wish you were here

"We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl,
Year after year,
Running over the same old ground.
What have we found?
The same old fears
Wish you were here"

                                    pink floyd

Vende-se

Um rapaz magro, de cabelos longos e de semblante soturno, jantava ao lado de sua companheira. Ela era uma das pessoas mais bonitas que já vi. Era uma mulher de pele bem clara. Olhos castanhos. Cabelos escuros. Na camiseta dele, lia-se: ''Vende-se Delorean.". Delorean deve ser um automóvel, eu imagino, pois havia um carro como estampa. Eles sentavam-se lado a lado, o que eu creio não ser comum. Não sei sentavam-se assim para ver o jogo que era transmitido, ou se era uma opção. Acharia mais bonito se fosse uma opção. Passei a noite observando tal casal, não sei ao certo por qual motivo prestei tanta atenção. Talvez tenha sido por eu estar longe de quem sempre me acompanhava quando  ia àquele restaurante. Dela emanava um carinho calejado. Dele, uma seriedade singela. Ela, aparentava passar por cima daquilo. Ele, se deliciava com ela ali ao seu lado, mas mantinha a inexpressão em seus olhos. Lá no fundo notava-se um certo brilho. Brilho que eu creio, seja de quem tem certeza que aquela pessoa ali ao seu lado, nunca o abandonaria, pois ela o aceitou como ele de fato era.  Nos olhos dela, notava-se uma perseverança que as vezes, dava sinal de se extinguir, mas que no fundo, perduraria eternamente, se ela desejasse. Ele sentia isso. Eu sentia aquilo. Por alguns minutos eu me senti bem por eles, mas eu poderia estar completamente errado, não? Mas permiti toda essa suposição. Eu queria que alguém estivesse ali comigo, encostando seu queixo em meu ombro e o beijando. Que chegasse perto, com o intuito que eu passasse a mão por seus cabelos. Tentava não pensar nisso. Meus companheiros notaram o  meu interesse pela mesa em minha frente, e é claro que lá no fundo, pensavam que eu só olhava a mulher. Estive o tempo todo interassado no conjunto que formavam. Era uma imagem bela. Cada movimento deles, parecia sicronizado. Eles pareciam irmãos. Falavam com a mesma entonação. Quando levantaram-se eu notei no corpo de ambos. A mulher quando se sente bem em um relacionamento come bem. Seu corpo era a projeção de seu relacionamento. Com certeza, aqueles dois estavam bem. O rapaz era magro como eu, demorava a comer como eu. Eu me vi naquela mesa. Demorando  muito tempo para comer enquanto ao lado, alguém me observava e comentava: ''Você demora demais a comer.". Sairam dali sem darem as mãos. Os passos dela eram ligeiros. Ele tinha o caminhar de quem sente dificuldade de abandonar seu território e adentrar o mundo exterior. Fixava o chão. Mas sabia exatamente onde pisar, pois alguém que se encontrava em sua frente, o guiava. Sairam dali e eu permaneci sentado. Apenas os observei de longe sentindo saudades.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

II

"A luz estava acesa. Passava da meia noite. Uma mulher se agitava de lá para cá. Estava brava com o filho. Que havia tentado deixar de fazer seu dever. Ela o castigara, forçando-o a fazer o dever durante a madrugada.  Na sala, passava o programa do Jô. No quarto, um garoto magro, de olhos fundos, brincava com os óculos. Achava engraçado ver sua mãe brava, andando de lá para cá, arrumando a casa durante a madrugada. Gostava daquilo. No quarto ao lado dormiam o padrasto e a irmã mais nova. Padrasto que era pai. A mãe gritava de lá e o menino fingia aprumar-se. Não queria saber de dever de casa. Queria ficar ali. Não queria acabar, pois quando acabasse,  as luzes seriam apagadas e ele teria que lutar contra o medo, até cair no sono. Não, ele queria ficar ali até o sol nascer. A mãe vinha e sua mão também. O garoto chorava. A mãe berrava. Aquilo era normal já. Havia habituado-se. No quarto ao lado, o padrasto acordava e gritava: "Pára de bater no menino, são uma da manhã!" E isso só deixava a mãe mais nervosa. Ficava que nem uma barata tonta de lá pra cá. Ia arrumando tudo que via pela frente. Lutava para manter-se acordada para que o filho cumprisse suas obrigações. O menino voltava a brincar  com os óculos e sabia que  se a mãe o pegasse ali,  apanharia de novo. Assim a madrugada seguia."    

Song to the Siren

On the floating, shapeless oceans
I did all my best to smile
til your singing eyes and fingers
drew me loving into your eyes.
And you sang "Sail to me, sail to me;
Let me enfold you."
"Here I am, here I am waiting to hold you.
Did I dream you dreamed about me?
Were you here when I was full sail?
Now my foolish boat is leaning, broken love lost on your rocks.
For you sang, "Touch me not, touch me not, come back tomorrow."
Oh my heart, oh my heart shies from the sorrow.
I'm as puzzled as a newborn child.
I'm as riddled as the tide.
Should I stand amid the breakers?
Or shall I lie with death my bride?
Hear me sing: "Swim to me, swim to me, let me enfold you."
"Here I am. Here I am, waiting to hold you."

                                                                    john frusciante

Metamorfose

Metamorfose

"Do tempo de onde não mais pássaros voavam
De como o suave calor matinal não se sentia
Num estupor de impunibilidade e pura inquietação
Me veio como sinal

Não obstante no tempo da ecdise dos escorpiões
Elísias estepes me encurralaram
E como se ilegitimidade se tornasse realidade
Me veio como escudo

O plácido lago azul se fez por pouco tempo
Na breve calmaria as estepes viraram montes
Montes chamados sala de aula
Me veio como aprendiz

Com uma pedra lançada a tormenta chegava
Em tempos de dilatação das impossibilidades
Um gigante me desafiou
Me veio como reposta

Nas lembranças de um futuro
O sol brilha sem arder
Às mudas apenas a nostalgia
Das salas de aula só restaram a Arcadia
Tempestade que virou brisa marinha
Me veio como só ela sabia vir a mim"


Barion Santos

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

I

"Pela janela conseguia ver que seria um dia nublado, ou pelo menos uma parte dele . Estava tudo um caos, ao começar pelo quarto. Mal havia como andar sem pisar ou furar o pé em algo. Abria os olhos mais ainda não conseguia ver nenhum propósito em levantar-se. Em um colchão fino, jogado em meio tanta bagunça. Havia uma cama,mas o barulho insuportável e o medo de cair, devido aos pesadelos, o impedia de dormir. Passava a maior parte do tempo sem fazer nada. Ninguém sabia ao certo quais eram seus planos, muito menos ele. Ao despertar tudo isso invadia sua mente de uma forma avassaladora. Assim iniciava mais um dia. Já era outubro e com certeza o céu derramaria algumas lágrimas naquele dia."

9:23

Eram 9:23 da manhã. O telefone tocava. Na cama, dormia uma rapaz magro. Era um comodo pequeno para tanta bagunça. O rapaz acorda em tempo de chegar ao telefone, mas não foi rápido o suficiente. Tropeçava em objetos que se espalhavam pelo chão. Um tênis. Um livro.  Uma lata. Roupas. Um dicionário. Pensava que só poderia ser uma pessoa que o ligaria em uma hora daquela. Discou o número e aguardou. No outro lado da linha uma voz sonolenta respondia:
- Alô? - disse
- Foi você quem ligou aqui agora? - perguntou o rapaz.
- Não, acabei de acordar.
- Ah...
O telefone foi desligado e ele ficou um bom tempo escutando o sinal de uma ligação perdida. Voltou para a cama. Sentia fome e fraqueza. O dia não começava bem. Não dormia bem, isso já era uma tradição. Em sua boca, sentia o gosto de todos os cigarros junto com o resto daquilo que se encontrava em seu estomago. Deitava e não pensava em levantar-se. Talvez para ir ao banheiro, mas sempre adiava a viagem que seria até lá. Preferia ficar ali prostado. A única coisa que o faria levantar com mais facilidade, seria para tomar um banho. Era a coisa que mais gostava de fazer. Entrava e fechava a porta. Era um banheiro pequeno, em forma de trapézio com duas luzes de cor amarela, de azulejos em cor marrom. Era confortável ali.  Ligava o chuveiro e ali ficava sentindo  a agua cair em seu corpo. Ali dentro pensava com mais clareza. Demorava o maior tempo possivel. Conseguia ordenar a maior parte de seus pensamentos vagos. Construía sonhos e fazia planos para o futuro. Talvez por que ali dentro, não hovesse futuro. É claro que não poderia ficar ali até o fim dos tempos. Então, pensar no futuro em um lugar onde ele não exista, era fácil. Desligava o chuveiro. Levantava-se do chão. Parava em frente ao espelho. Olhava seu reflexo. Não sabia dizer se era ele mesmo. Não conseguia dizer de quem era aquela forma que ali se apresentava. Isso era bom. Não queria ver seu rosto. Imaginava que poderia aparecer qualquer coisa. Ficava vários minutos, até que o vapor se dissipasse. E a água escorresse espelho a baixo. Encontrava ali, o rosto  que já conhecia. O seu rosto. Desviava o olhar e abaixava a cabeça. Agora, preferia abrir a porta e enfrentar a verdadeira realidade.   Abria a porta e arrepiava devido ao vento frio. Encarava toda aquela bagunça e pensava em arruma-la.  Voltava nu e deitava na cama. Arrumaria aquilo no dia seguinte, quando acordaria com o telefone tocando. Todos os seus dias, se baseavam na mesma rotina. Nem saberia ao certo dizer se o telefone  realmente tocava.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

n. 18

Da sacada via lá embaixo a garagem de número 18. Já passava da uma da manhã, no céu, pairava a ameaça de uma possível chuva, mas nada era certo. Lá em cima, poucas estrelas mostravam seu brilho. Fumava um cigarro e o ar-condicionado da pessoa de cima, começava a roncar. Não queria muito saber de nada, estava concentrado apenas na densa fumaça do cigarro que queimava suas narinas. Nesse breve período, só pensava nisso. Ali, ele se sentia livre. Acabava o cigarro. E era tragado de volta à realidade. O número 18 já não era tão interessante.

"Iràkiev"

- Ir a Kiev é craseado? - perguntou ele.
- Nossa, pensei que fosse uma palavra só. Irakiev.
- Não não. É uma frase. Kiév é uma cidade.
- Ah, sim. É craseado.
Não sabia ao certo por que havia pensado aquilo. "Ir à Kiév''. Passaram dois carros alinhados na rua. O vento estava frio. E ela disse:
- Porque esses carros estão alinhados assim?
Ele não respondeu. Mas naquela hora sentiu que eles não estavam alinhados. Não os carros. Sim aquilo que sentia por ela. Sentia que ele havia ficado lá no final da rua e ela, já estava no outro cruzamento. Todos os sinais que havia sentido nos ultimos dias vieram à tona. Era uma recusa por causa de uma blusa de frio. Era um trejeito  com as mãos. Era o chuveiro que não esquentava como devia. Era a pulseira, simbolo daquilo que sentia, que se desprendia de seu braço. Era um olhar vago. Era tudo que se acumulava nos ultimos dias. E que agora, por um milésimo de segundo fazia sentido. Como se tudo já estivesse escrito e nada que fizesse, fosse adiantar agora. Algo o confortava, pois conhecia como sua cabeça trabalhava, pendendo sempre ao pior. Mas mesmo assim, era por pouco tempo. A sentia distante. Mas ainda dentro de seu horizonte, como um sol que teima em se por. Era assim que se sentia ali. Tentava em vão, ignorar tudo isso que se acumulava e teimava em explodir. Fosse em raiva ou em tristeza. Teimava, pois era de sua natureza. Sim, ele lutaria. Mas o conhecendo de verdade, isso parecia inaceitável.  Sempre deixava tudo cair. Pensava em Kiev. Mas lá dentro de seu coração. Sabia que seria escusado ir até lá. Seu coração não batia no mesmo ritmo de antes. Uma parte dele não batia por seu corpo. Uma parte, estava alinhado com aquele que se encontrava ali ao seu lado. Sim, de nada adiantaria ir embora. Kiev, por mais distante que parecesse, não seria uma distância o suficiente para trazer ritmo àquele velho coração.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Prólogo

Ele nunca soube ao certo o que faria da vida. Ainda não sabe. Mas sabe o que teme. Temer. "Temores que vem e vão sem o menor aviso, que fazem prender a respiração, que matam". Como de costume, não é a primeira vez que escrevia sobre tais assuntos, que sempre foram relacionados a uma única pessoa. E é o principal motivo pelo qual escreve. Como se fosse  uma dívida a pagar. Inicia-se o jogo e diariamente tentaria por tudo pra fora, usando de cadernos inválidos, que sempre acabam incompletos e  largados em alguma gaveta empoeirada. Sempre foi o costume. Deixar tudo pelas metades, tudo pendente. Tudo tardio. Ele tem medo de ficar sozinho. De gritar e não ser ouvido. Mas nunca fez por onde. Nunca. Nunca moveu um dedo para evitar que o deixassem. Hoje, olhando-o de longe, nota-se que o desespero aflorou novamente, como sempre acontece. Como sempre foi o costume.